Eu comprei-o.
Eu confesso: eu fui lá e comprei-o. Era o último.
No dia a seguir a me teres falado da merda do livro, eu fui a correr à loja e comprei-o.
Com uma data de coisas para ler e aulas para preparar, coisas importantes, da realidade, a reclamar o meu tempo e a minha atenção imediata, e eu descontraidamente a andar na direcção do metro. O sol e eu, eu e o sol, tra-la-la.
Uma bonita manhã de semana.
O livro cada vez mais perto, e eu acelerava; a entrada da loja, e eu sorria; os montes, as pilhas, deve estar na prateleira, será que há, será esta, talvez do outro lado - e zás!, estava ali, destacava-se dos outros, só havia um, vou pegar-lhe, vou pegar-lhe, agarrei-o!, é meu.
Paguei ao senhor toda em sorrisos, dei dois passos para fora da loja e parei.
Então decidi ir almoçar.
Vou almoçar, pois então, até tenho um bocado de fome e além disso já são horas e já há algum tempo que me andava a apetecer um... ah... chicken teriyaki.
Comi muito depressa. O livro estava ao meu lado, mas não lhe toquei.
Pronto, às tantas virei-o, mas foi só para ler descontraidamente a contracapa entre duas garfadas.
E acabei de comer.
E agora...
Um cigarro, claro.
Fui muito depressa para a parte dos fumadores, com o livro debaixo do braço. Era uma espécie de jardinzinho ao ar livre, com uma fonte daquelas barulhentas e muitos jovens do hip-hop. O sol tornava a cena completamente inócua, e achei que se enquadrava na perfeição se eu tirasse descontraidamente o raio do livro do saco e o folheasse. Afinal, tinha acabado de o comprar.
Li o primeiro conto de uma assentada. É todo em diálogo. Pus-me logo a imaginar o texto representado, por mim, claro. Depois parei. "Estou a ler mal", pensei. "De certeza que ele não leu isto assim".
(Pausa.)
Já estou atrasada, tenho de me ir embora. Procurei atabalhoadamente um papel dentro da mala para marcar a página.
(Pausa.)
Lenta e deliberadamente, forcei-me a dobrar o canto da folha.
(Pausa.)
Disparei na direcção do metro, o coração a saltar nas escadas rolantes. Toda a gente olhava para mim, toda a gente. Precisava de tirar isto de mim, tirar isto, tirar a caneta, tirar o bloco, escrevinhar, confessar furiosamente a minha vergonha.
Furiosa.
terça-feira, 4 de maio de 2010
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1 comentário:
A confissão... o alívio... o perdão...
Abraço.
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